Um fruto mais da última flor do Lácio

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Os caros bishitantes da página já conheciam a língua da placa acima? É o papiamento, língua oficial de Aruba e de Curaçau (ou “Curaçao”, em holandês), ilhas caribenhas ao norte da Venezuela, até hoje administradas pela Holanda.

papiamento, língua oficial em ambas as ilhas e a mais falada por arubanos e curaçauenses, consiste numa mistura de crioulo português, espanhol, holandês, inglês e línguas africanas.

A pronúncia de escaravelho – “escaravêlho”, não “escaravélho”

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Por ocasião do lançamento do filme O escaravelho do diabo, têm-nos perguntado se, afinal, o nome do inseto que dá título ao filme se pronuncia com é aberto ou com ê fechado.

A pronúncia tradicional em português sempre foi escaravêlho, com ê fechado – tanto que, antes da queda de acentos diferenciais no século passado, o nome do animal escrevia-se com acento circunflexo – como se pode ver no  Dicionário de Cândido de Figueiredo (de 1913). A pronúncia fechada (escaravêlho, não escaravélho) é a única aceita pelos Dicionários Aurélio, Houaiss, Michaelis, Priberam e os da Academia Brasileira de Letras e da Academia portuguesa, que trazem indicações das pronúncias cultas.

A pronúncia escaravélho se refere à primeira pessoa do singular do verbo “escaravelhar”, que significa “mover-se como um escaravelho”.

“Chicungunha” – do dicionarioegramatica para o Houaiss e a Porto Editora

No início de março, publicamos aqui no DicionarioeGramatica por que razões “chicungunha” era o perfeito aportuguesamento para o nome da doença chikungunya.

Passados quase dois meses, o aportuguesamento chicungunha, exatamente como recomendado por nós, está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (ver aqui) e na recém-lançada edição brasileira atualizada do Dicionário Houaiss:

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Entubar ou intubar: a diferença entre entubado e intubado

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Sou médica, e minha vida toda aprendi que os termos corretos eram intubação intubar. Surpreendi-me ao ver que o dicionário Houaiss traz “entubação” e “entubar” como formas preferíveis. Algo mudou na língua, ou o Houaiss errou?

Resposta: Nada mudou, e o Houaiss está errado. Etimologicamenteintubar significa colocar um tubo dentro de algo ou alguém; e entubar significa colocar algo ou alguém dentro de um tubo.

É esse o entendimento do Dicionário Aurélio, dos dicionários de  Portugal (ver aqui) e dos dicionários especializados em terminologia médica brasileiros e portugueses, que apenas registram as formas com “in”, intubação e intubar, para os termos médicos.

Etimologicamenteintubar significa colocar um tubo dentro de algo ou alguém; e entubar significa colocar algo ou alguém dentro de um tubo.

Por essa razão, o termo técnico formal para “inserir um tubo em alguém“, como em um procedimento médico, é intubar ou fazer uma intubação. O prefixo “in” indica a inserção de algo.

O procedimento oposto – a retirada do tubo – é uma extubação, com o prefixo “ex“, que é sempre o oposto do prefixo “in” (por exemplo: inspirar/expirarincluir/excluirimplodir/explodir, etc.).

É essa, aliás, a mesma forma que se usa em todas as línguas: em inglês, intubation; em francês,  intubation; em espanhol, intubación; em italiano, intubazione; em alemão, Intubation; em holandês, intubatie; em húngaro, intubálás; em ucraniano, Інтубація, etc.

entubar e entubação significam, etimologicamente, inserir em um tubo, ou entrar em um tubo (como a manobra no surfe que consiste em entubar ondas) ou dar feição de tubo a algo.

Modernamente, e como o uso é o senhor da língua, a maioria dos dicionários passou a aceitar também “entubação” e “entubar” como formas não técnicas sinônimas de “intubação” e “intubar”.

O que é absurdo – e um desserviço à língua, pela confusão causada – é o Dicionário Houaiss (2001) decretar, sozinho e sem explicação, que as formas com “e” são mais corretas ou preferíveis, para todos os casos. É o mesmo tipo de desserviço que faz o Houaiss, por exemplo, ao, em desrespeito a séculos de tradição lexicográfica portuguesa e brasileira, decretar (equivocadamente) que broxar e brochar são sinônimos perfeitos, ou ainda quando  traz tríplex, mas não a muito mais usada e inclusive recomendada pelas Academias Brasileira e portuguesa triplex, ou ao registrar apenas oximoro, mas não a correta oxímoro; ou ainda quando o Houaiss traz pachto, mas não a correta em português pastó; ou Malaui sem acento, mas não as corretas Malawi ou Maláui, para citar apenas alguns poucos dos muitos erros que, como todo grande dicionário, o Houaiss comete.

A pronúncia correta de Guiana em português

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Um cidadão da República Cooperativa da Guiana, país que tem fronteira com o Brasil, pergunta como se pronuncia o nome de seu país em português. A resposta: a pronúncia correta, em português, é Gú-iâ-na; o “u” deve obrigatoriamente ser pronunciado. As três primeiras letras de Guiana (assim como as de guianêsguianense), em português, rimam com o nome “Rui”, ou com o verbo “fui”.

Cada um dos bons dicionários se vira de um jeito diferente para indicar essa mesma pronúncia: o Dicionário Aulete, por exemplo, traz, em verbetes como “guianês”, um  [ùi] indicativo da pronúncia – a mesma indicação usada pelo Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras; o Dicionário Michaelis traz a indicação (gúi); o Aurélio traz, ao lado de guianês e guianense, a observação (gùi); e o Houaiss traz, ao lado das palavras guianês e guianense, a indicação \ui-a\.

De diferentes formas, todos indicam o mesmo: que o “u” da palavra Guiana e de seus derivados é pronunciado em português, rimando aquelas três primeiras letras com a palavra “fui”.

É a mesma pronúncia que indicava o português Rebelo Gonçalves no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, vocabulário de referência em Portugal até os dias de hoje.

Mais que isso: a pronúncia do “u” no nome da Guiana (ou, para ser mais exato, das Guianas) é tão bem estabelecida em português que o anterior Acordo Ortográfico trazia, num parágrafo específico sobre isso, a observação de que, no “topónimo Guiana e nos seus derivados, como guianense e guianês, a letra “u é “foneticamente distinto do g anterior, formando ditongo com o i seguinte“, embora isso não fosse representado graficamente (ler aqui o texto completo do Acordo Ortográfico de 1945).

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Sororidade: a solidariedade entre mulheres

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A grande vantagem do Dicionário Priberam sobre todos os demais dicionários da língua portuguesa (além de ser grátis e estar disponível on-line) é que é o único que é atualizado diariamente (e por linguistas profissionais, o que não é o caso de todas as editoras). E por que isso faz diferença? Porque é o único bom dicionário de português, hoje, que responde rapidamente não apenas à criação de palavras novas, mas também à rápida popularização de certas palavras e conceitos, tão comum nos tempos que correm.

Nenhum dos gigantes dicionários brasileiros, por exemplo, registra sororidade – palavra que o Priberam define, breve porém suficientemente:

so·ro·ri·da·de
(latim soror, -oris, irmã + -dade)
substantivo feminino

1. Relação de união, de afeição ou de amizade entre mulheres, semelhante à que idealmente haveria entre irmãs.

2. União de mulheres com o mesmo fim, geralmente de cariz feminista.

“sororidade”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/sororidade [consultado em 26-04-2016].
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A origem da palavra “samba”

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Uma leitora pergunta-nos quando surgiu, em português, a palavra samba.

O mais antigo registro escrito de “samba” em português data de 1837 – décadas antes de o ritmo vir a ser conhecido no Sudeste ou no Sul do Brasil. Na edição de 22 de novembro de 1837 do jornal Carapuceiro, da cidade do Recife,  o padre Lopes Gama, o padre e editor do jornal afirma, acerca das jovens do Recife, que:

a mor parte das nossas Matutinhas tem gostos análogos aos usos e costumes do campo. Esta inclina-se a Sr. Janjão da pinguela, porque é insigne amansador de potros; aquela tem cativo o coração a Sr. Quinquim do riacho, porque este zangarreia em uma viola o samba, o coco e o minuete rasteiro.

Na edição de 12 de novembro de 1842 do mesmo jornal, novamente se encontra a palavra, em versos ali publicados:

Aqui pelo nosso mato?
Qu’estava então mui tatamba?
Não se sabia outra coisa?
Senão a dança do samba

A origem da palavra não é certa. Há especulação de que seja uma adaptação da palavra africana “semba“, de origem bantu, que teria o sentido de “umbigada” (encontrão do umbigo de uma pessoa com o umbigo de outra, no que seria um passo típico de danças afro-brasileiras).

A pronúncia de “subsídio” e de “obséquio”

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Uma das palavras que mais se ouvem pronunciadas de forma errada em português é subsídio (e seus derivados, como subsidiar). É comum ouvir a pronúncia “subzídio“, como se a quarta letra fosse um “z”.

Mas não há razão para dúvida quanto à correta pronúncia da palavra: a quarta letra de “subsídio” é um “s” precedido de consoante – e, como todo “s” precedido de consoante, deve ser pronunciado com som de dois “ss“. É o caso, por exemplo, de absolutocansado, cápsulacorsáriodensidade, farsaganso, malsonante, observaçãopansexualsubsaarianosubsecretáriosubsolo.

Portanto, a pronúncia correta de subsídio é “sub-ssídio” (“sub-cídio) – a exemplo de “subsolo”, “subsaariano”, “subsecretário”, etc. -, como ensinam os dicionários e o Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras.

Todos os derivados de subsídio também têm pronúncia regular: subsidiar se pronuncia “sub-ssidiar“; e subsidiário pronuncia-se “sub-ssidiário”.

Há apenas duas exceções a essa regra, explicitamente mencionadas em gramáticas e no texto do Acordo Ortográfico, bem como nas regras ortográficas anteriores (de 1943), que determinam que, apesar de serem escritos com “s” após consoante, têm som de “z”: 1) a palavra obséquio e seus derivados (que se pronunciam “obzéquio“, “obzequiar“, etc., por razões etimológicas – são derivadas de “exéquias”); e 2) o prefixo “trans”, quando seguido de vogal (“transoceânico”, “transar”, etc. – exceto quando o “s” faz parte da segunda palavra: “transubstanciação”, “transexual”, etc.).

 

Quixiquila, xitique, abota: poupança comunitária para crédito rotativo

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Em comentário na seção fixa sobre o português de Angola, o leitor Jean sugeriu-nos adicionar a palavra angolana “quixiquila” – que, como apontamos, já se encontra no Dicionário Houaiss e nos Dicionários da Porto Editora: a quixiquila é um método informal de financiamento em que um grupo de pessoas contribui periodicamente com um valor, a fim de que cada um dos membros, rotativamente, se beneficie de parte do valor poupado.

Catarina Trindade, mestranda em antropologia social da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em trabalho sobre o tema (disponível aqui)  define a quixiquila (em quimbundo, “kixikila“) como “uma prática de poupança e crédito rotativo“.

A prática, porém, de modo algum se restringe a Angola; instrumentos de financiamento comunitário voluntário idênticos existem em vários outros países por todo o continente africano.

Em Moçambique, esse método de poupança voluntária para crédito comunitário é chamado de xitique, nome que vem do ronga, língua local; conforme a definição do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora:

xitique
nome feminino

[Moçambiqueassociação contributiva entre trabalhadores (com saláriogarantido) para que, rotativamente, cada um receba parte ou o total dosvencimentos do grupo

Na Guiné-Bissau, por sua vez, é chamado abota, palavra também registrada no Dicionário da Porto Editora, com os pertinentes significados de “subscrição; peditório; cotização“.

Caso tenha interesse, clique aqui para ler breve trabalho sobre a quixiquila e suas congêneres, apresentado no curso de mestrado em antropologia social da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) , pela mestranda Catarina Trindade.

Qual o diminutivo de foto: uma fotinho ou fotinha?

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O diminutivo de uma foto é “uma fotinho”; o certo é “a fotinho”. As palavras terminadas em “a” e “o”, independentemente de serem masculinas ou femininas, mantêm a vogal final quando fazem o diminutivo em “-inh-“. O diminutivo de cinema, por exemplo, é cineminhA, mesmo sendo masculino; da mesma forma, uma tribo pequena é uma tribinho, mesmo sendo palavra feminina – e uma foto pequena é uma fotinho. A palavra “fotinha” está errada.

Existem duas formas mais comuns de formar diminutivos em português: uma palavra pode ir para o diminutivo por meio da inserção de “-inh-” (menininho, estrelinha, moderninho) ou pela adição dos sufixos “-zinho” e “-zinha” (meninozinho, estrelazinha, modernozinho, devagarzinho). Mas as regras de utilização dos dois tipos de terminação são diferentes, o que causa alguma confusão.

No caso dos diminutivos sem “z” – isto é, o que usam o “-inh-” -, pode-se usar como regra (para as palavras terminadas em “o” ou “a”) simplesmente incluir as letras “-inh-” entre a última letra da palavra original e as anteriores: assim, o diminutivo de cinema é cinem+inh+a = um cineminha; o “a” de cinema é mantido intacto.

Não importa que a palavra “cinema” seja masculina: a terminação da palavra manterá o “a”, que já era o “a” final de cinema.

Da mesma forma, uma tribo pequena é uma “tribinho” – assim como se diz “uma tribo”, diz-se uma “tribinho”.

Igualmente, o diminutivo de “um cinema” é “um cineminha”, o de “uma moto” é “uma motinho”, o de “um motorista” é “um motoristinha”… e o diminutivo de foto é “fotinho”.

Eventuais confusões devem vir da tradição – comum a todas as gramáticas de português à venda – de mencionar o sufixo “-inho” como sinônimo de “-zinho”, quando não, pior, como o mesmo sufixo, ao qual apenas se adicionaria ou omitiria a consoante “z” por pura eufonia.

A confusão que existe quanto ao uso do diminutivo (que faz que por vezes se ouçam formas erradas como “fotinha” ou “motinha”) deve-se ao fato de que regra completamente diferente da acima resposta, referente ao “-inh-“, é a que rege outro tipo de terminação também usada para formar diminutivos: a forma “-zinho” (e seu feminino, “-zinha”). Ao contrário da forma “-inh-“, as formas “-zinho” e “-zinha” não separam a vogal final da palavra original entrando no meio da palavra (como em cinem+inh+a), mas deixam a palavra original intacta, apenas colocando-se as formas “-zinho” (se a palavra for masculina) ou “-zinha” (se a palavra for feminina) grudadas ao fim da palavra: um cinema+zinho.

Assim, compare:

  • Diminutivo de moto: estão corretas “a motinho ou “a motozinha
  • Diminutivo de foto: estão corretas “a fotinho” ou “a fotozinha
  • Diminutivo de tribo: estão corretas “a tribinho” ou “a tribozinha
  • Diminutivo de motorista (homem): pode-se dizer “ele é um motoristinha” ou “ele é um motoristazinho
  • Diminutivo de pijama: pode-se dizer “o pijaminha” ou “o pijamazinho
  • Diminutivo de problema: estão corretas “o probleminha” ou “o problemazinho
  • Diminutivo de problema: estão corretas “o probleminha” ou “o problemazinho
  • Diminutivo de programa: pode-se dizer “o programinha” ou “o programazinho

Essa importante e fundamental diferença entre as terminações “-inho” e “-zinho” não parece, porém, ter ainda atraído a atenção dos autores de gramáticas da língua, que, de forma equivocada, limitam-se a citar “-zinho” como variante de “-inho” – quando não como o mesmo sufixo, acrescido de um “z” puramente eufônico.

Tal omissão por parte da maioria das gramáticas tradicionais, ao não abordar a formação dos diminutivos em “inho”/”inha” no caso das raras palavras femininas terminadas em “o” (como foto, moto e tribo) e masculinas terminadas em “a” (como pijama, cinema, motorista) certamente em muito contribuiu para permitir a disseminação em certas regiões (por exemplo no Rio de Janeiro) de formas irregulares como “fotinha” e “motinha”.

 

A quem pergunta, porém, a Academia Brasileira de Letras responde: o diminutivo de foto é fotinho ou fotozinha – mas não fotinha:

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É a mesma opinião de professores de português famosos, como o professor Pasquale (ver aqui) e o professor Cláudio Moreno (ver aqui).