Uma crença comum entre brasileiros interessados pelo estudo da língua portuguesa é a ideia, equivocada, de que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (o chamado VOLP) da Academia Brasileira de Letras teria algum valor oficial ou legal; com base nessa “lenda urbana”, uma palavra só existiria, em português (do Brasil), se estivesse no VOLP; e a grafia correta de toda e qualquer palavra seria a constante do VOLP.
Mas nada disso é verdade. Como afirma o próprio presidente da Academia Brasileira de Letras, “a ABL é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, mas não é um órgão público“, e o único vocabulário ortográfico oficial, “efetivamente ligado ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa“, será o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOCLP), explicitamente previsto no texto do Acordo, e que está ainda em fase de elaboração.
O próprio presidente da Academia Brasileira de Letras diz ser “curioso” que, “no Brasil“, o VOLP seja por muitos considerado “a referência“. Tudo isso foi dito pelo presidente da Academia Brasileira de Letras em entrevista na Organização das Nações Unidas, em 2016, disponível aqui.
Sendo a Academia Brasileira de Letras uma simples ONG, e não instituição governamental, o VOLP não tem, nem poderia ter, valor legal ou oficial. O único documento que rege oficialmente a ortografia da língua portuguesa no Brasil, devidamente ratificado pelos poderes legislativo e executivo brasileiro, é o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Isso significa que, quando o VOLP da ABL diverge ou contraria o que diz o próprio texto legal do Acordo Ortográfico (e há vários casos em que isso ocorre), é o Acordo que deve ser seguido, se se pretende seguir a ortografia legal e oficial.
Para ficar em uns poucos exemplos: o texto do Acordo Ortográfico manda, expressamente, escrever com hífen a palavra co-herdeiro; traz expressamente sem hífen a palavra zunzum; e diz expressamente que o gentílico do Kuwait a ser usado em português é kuwaitiano. Já o VOLP da ABL não traz co-herdeiro, mas, sim, em evidente contradição com o texto legal, coerdeiro; não traz zunzum, mas, sim, zum-zum; e não traz kuwaitiano, mas, sim, cuaitiano. São casos em que o VOLP expressamente contraria a norma ortográfica oficial da língua portuguesa. De modo que, se quiser seguir a norma oficial, não tenha dúvida: escreva zunzum, co-herdeiro e kuwaitiano, e ignore o VOLP da ABL e suas recomendações extraoficiais, que não têm nenhum caráter legal.
Mesmo os dicionários escolhem não seguir (ou contrariar explicitamente) o VOLP em muitos casos: o VOLP da ABL, por exemplo, traz a forma lacrimogênio; os dicionários (Houaiss, Aurélio, Michaelis, Aulete, etc.) ignoram a recomendação da ABL e escrevem lacrimogêneo.
Segundo uma dessas lendas urbanas da Internet, o caráter oficial do VOLP da ABL da “delegação e responsabilidade legal” delegada “em cumprimento à lei n. 726, de 8/12/1900“. Mas basta a qualquer um procurar a tal lei número 726, de 8 de dezembro de 1900, disponível aqui, para ver que não há absolutamente nenhuma menção a vocabulário algum.