O português veio do galego

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No mapa, os avanços e os recuos de cada língua no sudoeste da Europa do ano 1000 ao 2000. Como se vê, mil anos atrás quase todo Portugal e o sul da Espanha falavam árabe – e no canto noroeste da península Ibérica, na região da atual Galiza, se falava o galego medieval (que alguns autores preferem chamar, para não ofender os portugueses, “galego-português”, nome que nunca existiu historicamente), língua que acabou se expandindo em seguida a todo Portugal, que mais tarde tomou para si essa mesma língua dos galegos, rebatizando-a “português”.

O título desta publicação – que a língua portuguesa veio da língua galega – certamente será considerado demasiado óbvio para alguns, mas optou-se por abordar o tema aqui por se perceber que, ainda hoje, a quase totalidade dos falantes do português desconhecem esse fato. Nas escolas, tanto do Brasil quanto de Portugal ou de Angola, ainda se ensina que o português veio diretamente do latim – o que não é correto.

A língua portuguesa, hoje falada por mais de 250 milhões de pessoas – mais de 205 milhões só no Brasil -, formou-se (derivada do latim popular) e adquiriu as suas características atuais no canto noroeste da Península Ibérica, na região do Império Romano então chamada Gallaecia, que ocupava o que hoje é a parte norte de Portugal e a comunidade da Galiza, no noroeste da Espanha.

No ano de 409, a Galiza se tornaria um reino independente. Apenas no milênio seguinte, em 1128, é que Portugal adquiriria a sua independência; a língua falada em todo Portugal no momento da sua independência, porém, era a mesma língua falada na Galiza, onde nascera e de onde se expandira até o sul da Península – e a língua de Galiza e de Portugal se manteria a mesma ao longo da Idade Média, até que, no século de 1500, seria publicada a primeira gramática da “língua portuguesa”. A história da língua portuguesa a partir daí é conhecida: nos anos seguintes, seria levada pelos navegadores portugueses aos quatro cantos do mundo, onde se modificaria, em contato com línguas nativas, até chegar ao seu estado atual, em que é a sexta língua mais falada no mundo. Mas e o que aconteceu com o galego nesse ínterim?

Quase que o processo inverso do português: com a Galiza incorporada ao Reino da Espanha, como até hoje está, o galego foi marginalizado, sendo substituído, no uso oficial e, por fim, em toda a sua variedade escrita, pelo castelhano – o que, ao cabo de cinco séculos, acabou por castelhanizar a língua galega; perderam-se fonemas próprios do português, como as nasais, e conservaram-se os próprios do espanhol. Além da fonética, também no léxico e na sintaxe o galego moderno castelhanizou-se. Mesmo a norma ortográfica, a maneira de escrever oficialmente o galego hoje, é a castelhana: ñ em lugar do nosso nh;  ll em lugar de lh;  -n final em vez do nosso -m; e, talvez a mais óbvia característica do galego moderno escrito: substituíram-se os jotas e gês etimológicos por um sem-número de (assim, o mês de junho, por exemplo, passou a ser escrito xuño, e o mês de julho, xullo).

E em que pé está a língua galega hoje? Pois há opiniões das mais divergentes. Há, de um lado, muitos galegos que defendem que o português, nascido do galego, nunca deixou de ser a mesma língua, e que portanto o galego é a mesma língua de portugueses e brasileiros, independentemente de como seja por eles chamada; estes, na Galiza chamados “reintegracionistas” ou “lusistas”, defendem que se escreva o galego com a ortografia portuguesa, e, de modo geral, evitam, na fala, expressões, palavras e construções coincidentes com o castelhano, em favor do que é comum com o português.

Para os que nunca sequer escutaram o galego moderno nem sabem como soa, seguem um primeiro vídeo de um ilustre lexicógrafo galego que defende que o galego e o português ainda são, sim, a mesma língua; um segundo vídeo em que se defende enfaticamente que já não são a mesma língua; e um terceiro vídeo em que, em vez de debater se são ou não, uma mãe galega aparece conversando em galego com a filha, no que podemos ver vários exemplos de características marcante da nossa língua, mas também (como nos anteriores) a penetração do castelhano, não apenas fonêmica, mas inclusive nas “palavras de apoio”, aquelas usadas apenas para preencher um vazio entre dois pensamentos, como “bueno“:

Vídeo 1: 

Vídeo 2:

Vídeo 3: 

A baía é de Guanabara, e não “da” Guanabara

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Não chega a ser um erro grave, mas é um erro, sim, e um erro que não há jornal que não tenha cometido em algum momento: a famosa baía carioca onde ocorrerão os esportes aquáticos nas olimpíadas deste ano é a baía de Guanabara, não “da Guanabara”.

A confusão deve vir da familiaridade com o antigo nome da hoje extinta unidade federativa que englobava a cidade do Rio de Janeiro: o estado da Guanabara.

Em tempo: quem nascia no então estado da Guanabara era guanabarino – palavra que também pode ser usada, ainda hoje, para se referir à baía homônima.

Como escrever números ordinais em português: 1º ou 1.º? 2ª ou 2.ª?

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Em português, os números ordinais, como “primeira”, “sexto”, etc., podem ser escritos com uma combinação de algarismos e letras sobrescritas: 1ª, 6º, etc. Algumas fontes tipográficas inserem automaticamente um sublinhado à letra sobrescrita, o que é opcional.

Uma leitora aponta-nos para um blogue português supostamente dedicado a achar “erros de português” – já escrevemos aqui sobre o perigo desse tipo de gente: o prazer em achar erros é tamanho que começam a inventar erros que não existem, ou bem confundem estilo com gramática. O tal blogue aponta como “erro” abreviar “segunda” ou “sexto” como 2ª e 6º. E essa gente se leva a sério.

Segundo esse tipo de inventores de falsos erros, deveriam obrigatoriamente escrever-se “2.ª” e “6.º”, com um pontinho. Porque, de acordo com a torpe lógica deles, o ponto seria obrigatório para marcar que se trata de uma abreviação.

Sim, é verdade que um ponto em geral marca a supressão de algo numa abreviação: “Il.mo” era a grafia tradicional da abreviatura de “Ilustríssimo”, em que o pontinho ficaria no lugar de tudo aquilo que se suprimiu – nesse caso, “ustríssi“. O primeiro furo na lógica de quem diz que “segunda” só pode ser abreviado como “2.ª” é que, nesse caso, o pontinho não estaria representando coisa alguma. Ademais, esses inventores de erros são, como sói ocorrer, incoerentes: se obrigatório fosse marcar com um ponto os ordinais, igualmente obrigatório seria usarem pontos em todas as siglas – como, com efeito, se escrevia até não muito atrás: O.N.U, D.V.D., etc. Mas, incoerentemente, os mesmos que, contrariando todos os bons dicionários e gramáticos, querem inventar uma obrigatoriedade de se escrever “1.ª”, “aceitam” as grafias quase universais ONU, DVD, etc.

Como também sói ocorrer, esses blogueiros inventores de erros seguem uma regra “de português” que não existe em nem uma única gramática de português, em nenhum tratado da língua, e que – aí a ironia – contradiz o próprio Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Sim, porque não apenas nossos melhores gramáticos e a própria Academia Brasileira de Letras estampam “3ª edição”, “4ª edição”, “5ª edição”, sem pontos, em suas capas – o próprio Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, instrumento oficial e legal regulador da ortografia da língua, assinado pelos representantes dos governos de todos os países lusófonos, foi inteiramente redigido com ordinais sem pontos – como se pode ver aqui, na versão original, assinada em 1990; aqui, na versão atualmente divulgada pela própria CPLP; ou aqui, no protocolo modificativo também assinado por todos os países lusófonos.

Em suma, o próprio Acordo Ortográfico em vigor não usa pontos nos cardinais.

De modo que dizer que escrever “quarta” como “4ª” é um erro de português não é sequer “ser mais realista que o rei”. É erro, mesmo.

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O VOLP, Vocabulário da Academia Brasileira de Letras, não tem valor oficial nem legal (segundo a própria ABL)

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A Internet é terreno fértil para a proliferação de mitos e afirmações falsas. Um dos muitos mitos referentes à língua portuguesa que circulam pela Internet é a ideia, errada, de que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (o chamado VOLP) da Academia Brasileira de Letras teria algum valor oficial ou legal; com base nessa “lenda urbana”, uma palavra só existiria, em português (do Brasil), se estivesse no VOLP; e a grafia correta de toda e qualquer palavra seria a constante do VOLP.

Mas nada disso é verdade. Segundo o próprio presidente da Academia Brasileira de Letras, “a ABL é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, mas não é um órgão público”; e o único vocabulário ortográfico oficial, “efetivamente ligado ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa“, será o Vocabulário Ortográfico Comum da CPLP, ainda em fase de elaboração (que, embora ainda não concluído, já pode ser acessado aqui). O próprio presidente da ABL diz ser “curioso” que, apesar disso, “no Brasil”, o VOLP seja por muitos considerado “a referência”Tudo isso foi dito pelo presidente da Academia Brasileira de Letras em entrevista na ONU, em 2016, disponível aqui.

Sendo a Academia Brasileira de Letras uma simples ONG, e não instituição governamental, o VOLP não tem, nem poderia ter, valor legal ou oficial. O único documento que rege oficialmente a ortografia da língua portuguesa no Brasil, devidamente ratificado pelos poderes legislativo e executivo brasileiro, é o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Portanto, nos vários casos em que o VOLP da ABL diverge ou contraria o próprio texto legal do Acordo Ortográfico, é o Acordo que deve ser seguido, se se pretende seguir a ortografia legal e oficial.

Para ficar em uns poucos exemplos: o texto do Acordo Ortográfico manda, expressamente, escrever com hífen a palavra co-herdeiro; traz expressamente sem hífen a palavra zunzum; e diz expressamente que o gentílico do Kuwait a ser usado em português é kuwaitiano. Já o VOLP da ABL não traz co-herdeiro, mas, sim, em evidente contradição com o texto legal, coerdeiro; não traz zunzum, mas, sim, zum-zum; e não traz kuwaitiano, mas, sim, cuaitiano. São casos em que o VOLP expressamente contraria a norma ortográfica oficial da língua portuguesa. De modo que, se quiser seguir a norma oficial, não tenha dúvida: escreva zunzumco-herdeirokuwaitiano, e ignore o VOLP da ABL e suas recomendações extraoficiais, que não têm nenhum caráter legal.


Segundo uma dessas lendas urbanas da Internet, o caráter oficial do VOLP da ABL da “delegação e responsabilidade legal” delegada “em cumprimento à lei n. 726, de 8/12/1900”. Só que basta a qualquer um procurar a tal lei número 726, de 8 de dezembro de 1900, disponível aqui, para ver que não há absolutamente nenhuma menção a vocabulário algum.

“Risco de vida” ou “risco de morte”?

Alguém que pode morrer a qualquer momento corre “risco de vida” ou “risco de morte”? Só uma das duas expressões existe nos dicionários, gramáticas e clássicos portugueses e brasileiros – “risco de vida” é a forma usada pelos clássicos da língua portuguesa há séculos. Já “risco de morte” é uma forma inventada em tempos de Internet, pelos “gênios” do século XXI que decidiram tentar deixar a língua mais lógica…

Já falamos aqui sobre os falsos erros, ou erros inventados de português. E não são poucos esses erros inventados, em grande parte porque existem os inventores profissionais de falsos erros: são aqueles homens e mulheres que vivem de corrigir erros de português dos outros, e que chegaram à conclusão de que é conveniente inventar regras que não existem, criando assim novos “erros” de português – pois, afinal, o seu prestígio e a sua renda vêm justamente da insegurança que esses charlatães disseminam entre os falantes da língua.

Uma dessas recentes invencionices é o tolo mito de que “risco de vida” seria expressão incorreta e a ser substituída por “risco de morte”, porque a expressão “risco de vida” não seria “lógica”.

A verdade é que “risco de vida” tem tanta lógica quanto “risco de morte”: em ambas existe uma silepse: a omissão de parte da frase. Em risco de vida, subentende-se risco de perder a vida. Já “risco de morte” seria o risco de se chegar à morte.

Então dá no mesmo dizer “risco de vida” ou “risco de morte”?

Quase. Porque há uma importante diferença entre as duas formas: “risco de vida” é forma tradicional em português, histórica. Já vinha em dicionários de 1800. É “risco de vida” a expressão que se encontra ao ler os grandes clássicos brasileiros – Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, etc. – e portugueses, como Garrett e Camilo Castelo Branco (ver imagem ao fim deste texto).

Já em 1640 encontramos exemplo de “risco de vida”, em Apolo, de Francisco Manuel de Melo: “A nada se rendeu, detendo-se a seu respeito todo o curso dos negócios, com desabrimento de el-Rei e valido, que nem pessoalmente rogando-lhe o seu voto deixou também o Cellis de lho negar pessoalmente. Sucedeu neste tempo adoecer com grande risco de vida e, confessando-se para acabá-la, lhe persuadiu o confessor (que devia de ir bem persuadido…) consentisse na vontade de el-Rei.”

Os grandes clássicos da língua portuguesa sempre usaram risco de vida, e nunca “risco de morte“. “Risco de vida” é uma expressão consagrada em português, com séculos de vida. “Risco de morte” é uma invencionice dos tempos da Internet.

“Risco de vida” é, por exemplo, a única forma registrada no Dicionário Houaiss. Já “risco de morte” é um artificialismo sem tradição na língua, inventado há poucos anos por charlatães da língua.

E, embora a grande mídia seja, em geral, agente propagador desse tipo de erros inventados, felizmente “até” a Revista Veja e o professor Pasquale concordam neste aspecto: “risco de morte” é um modismo injustificado. Não caia, portanto, nessa: a forma tradicional – e corretíssima – em português é mesmo “risco de vida“.

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“Bem-vindo”, “bem vindo” ou “benvindo”?

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O certo é bem-vindo, benvindo ou bem vindo? Na hora de fazer uma placa para bem receber quem chega, escreva “bem-vindo” ou “bem-vinda”, com hífen. Por quê? Simplesmente porque, por convenção, essa é a forma ortográfica e socialmente aceita.

É aleatório? É, sim. A grafia poderia ser “benvindo”? Poderia, sim – aliás, não só poderia como até pouco tempo atrás “benvindo” era forma correta, devidamente constante do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Academia Brasileira de Letras, que desde sua primeira edição, de 1977, trazia “benvindo” como sinônimo de “bem-vindo” – e assim ficou, no VOLP da Academia Brasileira de Letras, até 2004. Apenas em 2004 a ABL “decidiu” que benvindo não era mais correto.

E essa decisão da ABL teve respaldo, talvez, no novo Acordo Ortográfico? Não, pelo contrário: o novo Acordo Ortográfico, a respeito do uso de hífen com o prefixo “bem”, afirma exatamente o seguinte:

4º) Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios “bem” e “mal”, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio “bem”, ao contrário de “mal”, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações: bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado; mal-afortunado, mal-estar, mal-humorado; bem-criado (mas malcriado), bem-ditoso (mas malditoso), bem-falante (mas malfalante), bem-mandado (mas malmandado), bem-nascido (mas malnascido), bem-soante (mas malsoante), bem-visto (mas malvisto). Observação: Em muitos compostos, o advérbio “bem” aparece aglutinado com o segundo elemento, quer este tenha ou não vida à parte: benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença, etc.

Como se vê no trecho acima, o Acordo explicitamente evitou ser taxativo a esse respeito, e furtou-se de resolver definitivamente a questão, deixando a regra aberta à discricionariedade. Pelo texto legal, tanto se poderia entender que se deve escrever “bem-vindo” (a exemplo de “bem-criado” e “bem-visto”) quanto “benvindo” (a exemplo de “benfeito”, “benquisto”, etc.).

É um erro absurdo, portanto, escrever “benvindo” ou “benvinda”? Não, longe disso. São grafias também tradicionais – aliás, são também nomes muito comuns em alguns países lusófonos, “Benvindo” e “Benvinda”. Mas, por pura convenção, as formas “bem-vindo” e “bem-vinda” são as (arbitrariamente) consideradas corretas hoje.

De modo que, para evitar o mau julgamento daqueles que não conhecem nem entendem regras de português (mas só sabem repetir o que leem), o recomendável é escrever (exceto, naturalmente, nos nomes próprios) “bem-vindo” e “bem-vinda”.

Hifens inúteis: marcapasso, picapau, vagalume, paralamas, parabrisa, parachoque…

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Com quase certeza não terá sido proposital essa “desobediência civil” (ortográfica) da Folha de S.Paulo, mas não deixa de ser emblemática da obsolescência de nossos vocabulários e dicionários, portugueses e brasileiros, no que tange ao tantas vezes inútil hífen.

Folha escreve marcapasso. Mas os dicionários e os vocabulários acadêmicos do Brasil e de Portugal só trazem marca-passo, com um hífen que, além de desnecessário, não reproduz a pronúncia corrente. Não é o único caso, aliás, em que os vocabulários e dicionários já há muito foram deixados para trás pela população e por meios de comunicação, que discordam da regra burra seguida por dicionários de sempre hifenizar compostos formados por verbo + substantivo. Outros exemplos dessa razoável “desobediência civil” são picapau, que a Academia e os dicionários até hoje mandam grafar pica-pau, apesar de, um século atrás, Monteiro Lobato já ter imortalizado o sítio do “Picapau Amarelo”; vagalume, que os acadêmicos insistem em grafar vaga-lume, ao contrário dos escritores de bom senso, que não veem naquele hífen utilidade nem lógica; e paralamasparabrisas e tantas outras palavras, que são quase unanimemente escritas aglutinadas nas oficinas, estradas e anúncios de todo o Brasil, ignorando os empoeirados vocabulários e dicionários que mantêm hifens nessas palavras.

E sequer se pode dizer que essa mania hifenizadora dos vocabulários e dicionários tem respaldo no Acordo Ortográfico. Pelo contrário – o Acordo Ortográfico de 1990, que é o único instrumento com força de lei no que tange à ortografia da língua portuguesa no Brasil e em Portugal, diz expressamente:

Obs.: Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.

Se paraquedas, paraquedista (e parapeito, parapente, etc.) se escrevem sem hifens nos mesmos dicionários e vocabulários, e isso em consonância com a recomendação expressa do texto legal ortográfico, por que vocabulários continuam trazendo somente com hifens formas como “para-lamas“, “para-brisa, para-choque” (contrariando o uso popular, que segue a lógica da língua e o instinto dos falantes)?

Melhor seria aprendermos com as outras línguas, nas quais simplesmente não se perde tão preciosos tempo e paciência com regras inúteis de hifens.

Em inglês e em francês, não existem regras rígidas para o uso dos hifens, havendo várias palavras e expressões que podem vir ou não hifenizadas, ao gosto do falante; em ingl6es, por exemplo, cada falante pode decidir, na hora da escrita, se quer escrever “air-crew“, “air crew” ou “aircrew“; “best seller“, “best-seller“, “bestseller” – todas as opções são corretas em inglês.

Já em italiano e em espanhol, foi-se além, abolindo-se simplesmente o uso dos hifens. Em espanhol, por exemplo, em vez de ex-primeira-dama, escreve-se “ex primera dama“; em vez de porta-voz, escreve-se “portavoz“. O que se percebe, olhando-se as outras grandes línguas europeias, é que, no fundo, o hífen não faz falta.

Holmienses: os nascidos em Estocolmo

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Os nascidos em Estocolmo, capital da Suécia, têm uma denominação própria em português: quem nasce em Estocolmo, em português, é holmiense.

A palavra portuguesa se refere a  Holmia, antigo nome latino de Estocolmo (Stockholm, em sueco e em inglês). Tanto as mulheres quanto os homens nascidos na capital sueca são holmienses.

 

Quem nasce em tal cidade se chama como?

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O nome que se dá ao cidadão de uma cidade é gentílico (por exemplo: quem nasce no Rio de Janeiro é carioca; logo, o gentílico da cidade do Rio de Janeiro é carioca). Não existe atualmente uma fonte atualizada e confiável que reúna os gentílicos das cidades brasileiras. Todos os bons dicionários brasileiros – Houaiss, Aurélio, Michaelis, Aulete – são repletos de lacunas e erros nessa área. A Wikipédia lusófona, nessa área (como em quase todas as outras), é pura piada (segundo a qual, com base em fonte nenhuma, os gentílicos de Massaranduba e de Pirassununga se escreveriam com “ç”). Em resumo, não existe publicação oficial confiável que mantenha esses dados atualizados.

Por essa razão, foi criada, nas publicações fixas da página, a seção de Gentílicos brasileiros, que será permanentemente atualizada, e que visa a, num futuro, reunir todos os gentílicos do Brasil – devidamente conferidos e confirmados.

A ideia é manter uma lista completa e confiável dos gentílicos oficiais atuais de cidades brasileiras, rigorosamente conferidos, um a um, quanto ao seu uso real pelos governos municipal e estadual, pela população e pelos meios de comunicação locais, bem como por sua correção e presença em obras de referência.

A lista inicial, ainda bastante incompleta, pode ser acessada aqui. Se a sua cidade não aparece nessa lista, sinta-se convidado a enviar o nome de sua cidade e o respectivo gentílico como comentário, ao fim da página.

Quando usar o hífen? Quando necessário – simples assim.

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Deve ser o desespero para ter mais palavras que os concorrentes. Só isso justifica a mania de certos dicionários brasileiros e portugueses de enfiar hifens completamente desnecessários em expressões que nunca precisaram do tracinho. Hifenizam erradamente expressões e locuções, “criando” novas “palavras”… só que não. Não se criam palavras desse jeito – até porque esses monstrengos cheios de hifens desnecessários acabam nascendo e morrendo sem sair do dicionário: não são realmente usados pelos falantes, que em geral sabem natural e espontaneamente quando usar (e quando não usar) o hífen melhor do que alguns dicionaristas.

O hífen serve, entre outros propósitos, para ligar um substantivo a outro substantivo, em combinações vocabulares: bomba-relógiohora-aula; sofá-cama; Áustria-Hungria; rodovia Belém-Brasília.

Já a combinação de um substantivo com um adjetivo não precisa, em regra, de hífen. A função natural de um adjetivo é exatamente a de qualificar um substantivo.

Por isso, diariamente milhões de adjetivos são justapostos a substantivos, sem que qualquer pessoa de bom senso veja necessidade de ligar o adjetivo ao substantivo por um tracinho. Em regra, um adjetivo e um substantivo só se ligam por hífen quando isso é necessário. O que isso quer dizer é que a função do hífen, nesses casos, é criar um vocábulo novo, formado pela junção de duas palavras que, sem o hífen, não significavam o mesmo que significam “grudadas”.

Se não há absolutamente nenhuma mudança de significado, o hífen entre um substantivo e um adjetivo não é simplesmente desnecessário – é um erro. E há erros desses, invencionices toscas, em dicionários de um e de outro lado do Atlântico.

Há, por exemplo, um dicionário que coloque hífen em “livre comércio“, com o sentido surpreendente de… “comércio livre, comércio sem barreiras”. É, é claro, erro do dicionário – que, por outro lado, não usa hifens em expressões como “acordo de livre comércio” ou “área de livre comércio”, provando a inutilidade do hífen erradamente ali enfiado.

Há quem escreva “assembleia geral“, com hífen, com o significado de uma assembleia que envolve todos os membros – isto é, de uma assembleia que é… geral. Como fica óbvio, assembleia geral não leva hífen, por lhe ser inútil.

É pela mesma lógica que nunca se usará hífen em “professor adjunto“, “secretário executivo“, “diretora executiva“, “professora assistente”, “diretoria financeira“, “cidade natal“, “apresentador mirim“, “hora extra“, “casa civil“, “casa militar“…

(Exceção é o caso do adjetivo “geral”, quando ligado a cargos: por analogia com “secretário-geral” (como, por exemplo, o da ONU), escreve-se também diretor-geral, procurador-geral, diretoria-geral, procuradoria-geral, cônsul-geral, consulado-geral, etc. O fato é que secretário-geral historicamente sempre se escreveu com hífen por decalque do francês – que fica ainda mais evidente na língua inglesa, em que, contrariando a própria regra de colocação de adjetivo antes de substantivo, que é tradicional no inglês, se diz secretary-general, e não general-secretary.)

Pela regra geral de que substantivo com adjetivo não pede hífen, não passa de simples erro que um dicionário hifenize “alto contraste” para indicar um contraste elevado; ou “alto vácuo“, para indicar um vácuo que não é pequeno; ou “alto comando“, para indicar um elevado comando; não é outra coisa senão erro o hífen enfiado na expressão “alto mar“, cujo significado literal é exatamente o de mar alto.

Há dicionários que colocam, erradamente, hífen em “conta corrente“, para se referir à conta bancária correntemente usada por alguém – que, como bem ensina o Aurélio, não deve levar hífen.

Há dicionário que traz hífen em “ano novo“, igualmente sem sentido, ou mesmo em bom senso, o que é simplesmente errado.

Há até dicionário que hifenizam “febre amarela” e “estrela cadente” como se houvesse algum outro sentido possível nesses (e em outros casos), e ignorando que essas locuções já vêm dicionarizadas há séculos em português, desde Moraes, sempre sem hífen – inclusive na colossal e magistral décima edição (1948-1958), o maior dicionário de português até hoje.

Na TV, chega-se a ver legendas em que personagens se cumprimentam com hifens desesperadoramente errados em “bom dia” e em “boa noite“.


Não tem no fundo nada a ver com os casos acima (de justaposições de substantivos + adjetivos), mas outro absurdo surgido recentemente foram os dicionários que, acriticamente, começaram a trazer hifens em tintim (transformando a histórica “tintim por tintim” numa ridícula e injustificada “tim-tim por tim-tim“), ou em nhenhenhém (violentando séculos de história da palavra e dando origem a um monstruoso nhe-nhe-nhém), ou até mesmo em zunzum, escrevendo a palavra, erradamente, como zum-zum – contrariando assim o próprio Acordo Ortográfico em vigor, em cujo texto vem expressamente usada como exemplo a palavra zunzum, sem hífen, como sempre se escreveu em português.

(Recorde-se, a esse respeito, que o Acordo Ortográfico é a única norma legal oficial que rege a ortografia da língua portuguesa no Brasil e em Portugal – a despeito do falso senso comum segundo o qual o vocabulário da Academia Brasileira de Letras teria algum status legal ou oficial  – que, felizmente, como a própria Academia admite, não tem).