O português veio do galego

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No mapa, os avanços e os recuos de cada língua no sudoeste da Europa do ano 1000 ao 2000. Como se vê, mil anos atrás quase todo Portugal e o sul da Espanha falavam árabe – e no canto noroeste da península Ibérica, na região da atual Galiza, se falava o galego medieval (que alguns autores preferem chamar, para não ofender os portugueses, “galego-português”, nome que nunca existiu historicamente), língua que acabou se expandindo em seguida a todo Portugal, que mais tarde tomou para si essa mesma língua dos galegos, rebatizando-a “português”.

O título desta publicação – que a língua portuguesa veio da língua galega – certamente será considerado demasiado óbvio para alguns, mas optou-se por abordar o tema aqui por se perceber que, ainda hoje, a quase totalidade dos falantes do português desconhecem esse fato. Nas escolas, tanto do Brasil quanto de Portugal ou de Angola, ainda se ensina que o português veio diretamente do latim – o que não é correto.

A língua portuguesa, hoje falada por mais de 250 milhões de pessoas – mais de 205 milhões só no Brasil -, formou-se (derivada do latim popular) e adquiriu as suas características atuais no canto noroeste da Península Ibérica, na região do Império Romano então chamada Gallaecia, que ocupava o que hoje é a parte norte de Portugal e a comunidade da Galiza, no noroeste da Espanha.

No ano de 409, a Galiza se tornaria um reino independente. Apenas no milênio seguinte, em 1128, é que Portugal adquiriria a sua independência; a língua falada em todo Portugal no momento da sua independência, porém, era a mesma língua falada na Galiza, onde nascera e de onde se expandira até o sul da Península – e a língua de Galiza e de Portugal se manteria a mesma ao longo da Idade Média, até que, no século de 1500, seria publicada a primeira gramática da “língua portuguesa”. A história da língua portuguesa a partir daí é conhecida: nos anos seguintes, seria levada pelos navegadores portugueses aos quatro cantos do mundo, onde se modificaria, em contato com línguas nativas, até chegar ao seu estado atual, em que é a sexta língua mais falada no mundo. Mas e o que aconteceu com o galego nesse ínterim?

Quase que o processo inverso do português: com a Galiza incorporada ao Reino da Espanha, como até hoje está, o galego foi marginalizado, sendo substituído, no uso oficial e, por fim, em toda a sua variedade escrita, pelo castelhano – o que, ao cabo de cinco séculos, acabou por castelhanizar a língua galega; perderam-se fonemas próprios do português, como as nasais, e conservaram-se os próprios do espanhol. Além da fonética, também no léxico e na sintaxe o galego moderno castelhanizou-se. Mesmo a norma ortográfica, a maneira de escrever oficialmente o galego hoje, é a castelhana: ñ em lugar do nosso nh;  ll em lugar de lh;  -n final em vez do nosso -m; e, talvez a mais óbvia característica do galego moderno escrito: substituíram-se os jotas e gês etimológicos por um sem-número de (assim, o mês de junho, por exemplo, passou a ser escrito xuño, e o mês de julho, xullo).

E em que pé está a língua galega hoje? Pois há opiniões das mais divergentes. Há, de um lado, muitos galegos que defendem que o português, nascido do galego, nunca deixou de ser a mesma língua, e que portanto o galego é a mesma língua de portugueses e brasileiros, independentemente de como seja por eles chamada; estes, na Galiza chamados “reintegracionistas” ou “lusistas”, defendem que se escreva o galego com a ortografia portuguesa, e, de modo geral, evitam, na fala, expressões, palavras e construções coincidentes com o castelhano, em favor do que é comum com o português.

Para os que nunca sequer escutaram o galego moderno nem sabem como soa, seguem um primeiro vídeo de um ilustre lexicógrafo galego que defende que o galego e o português ainda são, sim, a mesma língua; um segundo vídeo em que se defende enfaticamente que já não são a mesma língua; e um terceiro vídeo em que, em vez de debater se são ou não, uma mãe galega aparece conversando em galego com a filha, no que podemos ver vários exemplos de características marcante da nossa língua, mas também (como nos anteriores) a penetração do castelhano, não apenas fonêmica, mas inclusive nas “palavras de apoio”, aquelas usadas apenas para preencher um vazio entre dois pensamentos, como “bueno“:

Vídeo 1: 

Vídeo 2:

Vídeo 3: