Devagarzinho ou devagarinho?

Untitled

Está correto dizer devagarzinho ou devagarinho? Ambas as formas são corretas gramaticalmente e têm séculos de tradição na língua.

A primeira dúvida poderia ser se um advérbio pode ter diminutivo. Muitos se confundem com o que aprenderam na escola – que advérbios “são invariáveis”. Se são invariáveis, não podem ter diminutivo, certo? Errado. Quando professores ensinam que advérbios são invariáveis, querem dizer que são invariáveis com relação ao sujeito, isto é, não variam conforme o sujeito: uma pessoa anda devagar, e duas pessoas também andam devagar – e não “devagares”. Mas, como as boas gramáticas ensinam, advérbios têm, sim, flexões: superlativo, aumentativo, diminutivo…

A segunda dúvida seria qual das duas formas é a correta: devagarzinho, com “z”, ou devagarinho, sem o “z”. A resposta é que as duas formas são igualmente corretas. Como já vimos na resposta sobre o diminutivo de foto, existem duas terminações diferentes para formar diminutivos em português: “-zinho” e “-inho“. Assim, pode-se dizer que um texto pequeno é um textozinho ou um textinho; o diminutivo de vidro pode ser tanto vidrozinho quanto vidrinho; o de pastor, pastorzinho ou pastorinho; o de flor, florzinha ou florinha.

Da mesma forma, o diminutivo de devagar pode ser tanto devagarinho quanto devagarzinho.

Em Dom Casmurro, por exemplo, Machado de Assis usou as duas formas – “devagarzinho”, no trecho acima, e “devagarinho”, no trecho abaixo:

Untitled.png

As duas formas estão absolutamente corretas.

Mais bem ou melhor + partícipios?

Sans titre

Deve-se dizer “os melhor avaliados” ou “os mais bem avaliados”? De acordo com os bons gramáticos portugueses e brasileiros (como Domingos Paschoal Cegalla, Vasco Botelho do Amaral, Celso Luft, Celso Cunha, Lindley Cintra, Sousa e Silva, etc.), tanto faz.


O jornal Correio Braziliense publicou um tuíte de sua “consultora de português”, segundo a qual o prefeito de São Paulo, João Doria, teria cometido um erro de português ao dizer que certos programas seriam “melhor percebidos” pela população. Segundo o jornal, só estaria certo “mais bem percebidos”. Obviamente, o jornal e a sua consultora de português estão errados. Bastaria abrirem uma boa gramática antes de escrever besteira na Internet.

Esse é mais um dos casos que deixam claro que saber português não é o mesmo que ter decorado algumas regrinhas e macetes (sempre cheios de exceções), e que os que se valem dessas regrinhas decoradas em geral são aqueles que não dominam lá muito bem a língua.

Se tivessem aberto uma boa gramática – como a de Celso Cunha -, teriam aprendido que a expressão “mais bem” de fato pode ser usada antes de particípios (“mais bem avaliados”, “mais bem percebidos”) – mas isso não quer dizer que não se poderia usar, igualmente, a forma sintética: melhor avaliadosmelhor percebidos.

Não há nada de errado com essas construções, que também se encontram já em Camões, n’Os Lusíadas: “O ponto melhor tornado no terreno alheio“; ou em Machado de Assis: “Oxalá que ande ele melhor avisado … onde suas qualidades serão melhor apreciadas“; ou em Alexandre Herculano: “composições análogas e melhor delineadas e vestidas“; ou em José de Alencar, “melhor armada“, etc.

O que ocorre, simplesmente, é que em alguns casos, o uso de “melhor” no lugar de “mais bem” não funciona – isso ocorre quando a palavra “bem” está ligada mais fortemente ao adjetivo que se segue do que à palavra “mais” (o que ocorre em geral, mas não apenas, quando o adjetivo está ligado a “bem” por hífen): por exemplo, ninguém diria que se sentiu “melhor vindo” num lugar, mas, sim, “mais bem-vindo“.

Mas, em outros casos, pode dizer-se tanto “melhor avaliados” quanto “mais bem avaliados”, e tanto “melhor posicionada” quanto “mais bem posicionada” – mas apenas “mais bem-feito” (e não *melhor feito). É por isso que, para facilitar a vida dos inseguros, criou-se modernamente a “regrinha” de que “já que às vezes se pode usar “melhor” e às vezes não, mas sempre se pode usar “mais bem” antes de advérbios, então use sempre “mais bem” e nunca “melhor”, que não tem como errar.

Não há nenhum problema com esse tipo de regra simplificadora, é claro. O problema é quando esses mesmos inseguros linguísticos passam a achar que apenas a fórmula simplificadora por eles usada é a correta, e passam a ver “erro” em frases absolutamente corretas, como a do prefeito paulistano – que em nada difere das frases usadas desde Camões até nossos melhores autores, como Machado de Assis e José de Alencar.

Em suma, tanto faz dizer “mais bem avaliados” ou “melhor avaliados”; ambas são absolutamente corretas do ponto de vista gramatical e têm respaldo dos melhores autores de diferentes séculos. O único inconveniente de usar a forma sintética (“melhor avaliados”) é o risco de ser interpelado por alguém que, em sua ignorância, acredita que apenas a primeira opção (“mais bem avaliados“) é a correta, por não saber que foi ele próprio que só aprendeu uma, a mais fácil, das duas construções possíveis e corretas da língua.

“Estão melhor” ou “estão melhores”?

2.png

Será que o jornal acima traduziu corretamente o que disse Obama? Terá dito ele que “os EUA estão melhores do que há oito anos” ou que “os EUA estão melhor do que há oito anos“?

Existe o adjetivomelhor“, que significa “mais bom” e tem plural (melhor amigo, melhores amigos); e existe o advérbio “melhor”, que significa “mais bem” e que, como todo advérbio, não tem plural.

Estaria perfeitamente correta, portanto, a frase “Os Estados Unidos estão melhor do que há oito anos” (isto é, os EUA estão “mais bem” do que estavam oito anos atrás). O que provavelmente ocorreu foi que quem fez a tradução cometeu uma hipercorreção: tentou corrigir algo que já estava certo, por achar que estava errado.

Do jeito que saiu no jornal, a frase (“Os EUA estão melhores do que há oito anos“) acabou significando que os “EUA estão ‘mais bons’ do que há oito anos” – não se pode dizer que esteja errada, mas definitivamente a forma sem o plural (“os EUA estão melhor“) era, além de mais natural, a mais apropriada no caso.