Amostra ou mostra? Mostrar ou amostrar?

Muitas pessoas usam, em lugar de “mostrar”, o verbo amostrar – quando pedem, por exemplo, para ver algo, dizem “Amostra!” em vez de “Mostra!“. Estão erradas? Não, de forma alguma. Basta abrir qualquer dicionário, brasileiro ou português, velho ou novo, para ver que amostrarmostrar são, há séculos, sinônimos em português.

O dicionário Houaiss (foto a seguir) é sucinto: amostrar é “o mesmo que mostrar“. O dicionário Aulete (foto abaixo) dá mais sinônimos: amostrar significa “mostrar, fazer ver, apresentar, expor“. O dicionário Aurélio (também foto abaixo) vai além: indica que amostrar é sinônimo de mostrar – e inclui exemplos de uso do verbo “amostrar” por parte do maior escritor brasileiro – Machado de Assis – e de um dos maiores portugueses, Camilo Castelo Branco.

Como ensina Aurélio, Machado de Assis, maior escritor brasileiro, fundador da Academia Brasileira de Letras – e cuja escrita até hoje é considerada exemplo do melhor português – usava “amostrar” com o sentido de “mostrar”.

É, na verdade, o mesmo modelo de muitos outros pares de palavras em português, que apresentam uma variante com e outra sem um “a” inicial, que não afeta o significado. É o caso de abaixar ou baixar; ajuntar ou juntar; arraia ou raia (o animal marinho); amora ou mora (a fruta); arrecife ou recife. Todas têm igual significado e podem ser usadas indistintamente.

Aurelio

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Ajuntar ou juntar? Existe o verbo ajuntar?

Aurelio

Existe a palavra ajuntar? Sim, existe, e está perfeitamente correta. Segundo o dicionário Aurélio e o dicionário Houaiss, ajuntar é um perfeito sinônimo de juntar.

Aurélio dá preferência a ajuntar, remetendo juntar para ajuntar. Já Houaiss remete ajuntar para juntar. Ambos concordam, porém, que os dois verbos existem, são corretos e têm os mesmos significados e regências.

Como mostram o Aurélio e o Houaiss, é absolutamente correto e indiferente, portanto, usar ajuntar  ou juntar:

  • Maria e Pedro juntaram-se (ou ajuntaram-se);
  • Juntou uma última folha ao processo (ou Ajuntou uma folha ao processo);
  • Juntar algo do chão (ou ajuntar algo do chão).

Pela Internet afora há, como sempre, os charlatães inventores de falsos erros, que afirmam que só um dos dois verbos está correto, ou que ajuntar é menos formal ou coloquial, ou que só um dos dois admite algumas regências e o outro só admite outras – todas mentiras. O Houaiss diz enfaticamente: ajuntar é sinônimo de juntar “em todas as suas regências”. Tanto o Houaiss quanto o Aurélio trazem longa lista de exemplos que mostram que grande escritores, portugueses e brasileiros, usam indistintamente ajuntar ou juntar, com diversos significados (adicionar, unir, recolher, pegar do chão, acumular, congregar-se, etc.).

A bacharel ou a bacharela? O feminino de bacharel é…

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Fulana é bacharel ou bacharela? Há quem ache que o certo é sempre “bacharel”, para homens e mulheres, e que “bacharela” é um neologismo, ou “coisa de feminista”, ou simplesmente “erro de português”. Estão completamente errados: de acordo com o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras, com o Dicionário Aurélio, com o Dicionário Houaiss e com os demais dicionários brasileiros e portugueses, o único feminino correto de bacharel é bacharela, enquanto a palavra “bacharel” só pode ser usada no masculino (“um bacharel”, e não “uma bacharel”).

Todas essas obras listam “bacharel” como substantivo masculino (e não comum de dois gêneros, como “estudante”, “gerente” – o que quer dizer que não aceitam a forma “a bacharel“) e indicam como único feminino correspondente a forma “bacharela”:

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Apesar disso, é um fato que hoje a maioria das mulheres prefere dizer-se “bacharel”, e não “bacharela”, e que a forma invariável é a mais usada na imprensa e na sociedade em geral, mesmo em meios acadêmicos – o que indica que a língua está em processo de mudança.

Essa mudança é um processo comum a vários substantivos da língua portuguesa, que tradicionalmente tinham formas próprias para o feminino (“a oficiala”, “a parenta”, “a poetisa”), mas que, de tanto as pessoas “incorretamente” os usarem invariáveis (“a oficial”, “a parente”, “a poeta”), tiveram essas formas invariáveis aceitas pelos dicionários.

Do mesmo modo que hoje dicionários e vocabulários já aceitam “a oficial” e “a poeta“, é certo que em algum momento próximo passarão a aceitar oficialmente “a bacharel”. A ironia apenas é que há gente dita conservadora que repudia a forma “bacharela” por achá-la uma invencionice ou um modismo, sendo que na verdade “a bacharela” é que é a forma tradicional da língua, mais antiga e conservadora do que “a bacharel”.

(Exatamente como no caso de “presidenta”, que a despeito da ignorância de muitos, é forma mais antiga e tradicional na língua do que “a presidente”.)

O deus do vinho era Dioniso (ou Baco), e não *Dionísio

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É provavelmente o erro mais cometido em língua portuguesa no que tange à mitologia: chamar o deus grego da uva e do vinho de DionísioO nome correto do deus, como se pode ver em boas enciclopédias, dicionários e nas obras de referência de mitologia, é Dioniso.

Dioniso é o equivalente grego do Baco dos romanos.

A confusão ocorre muito tanto no Brasil quanto em Portugal porque Dionísio é um nome português relativamente comum, que existe há séculos, mas que significa, exatamente, “relativo a Dioniso“. É, assim, um sinônimo de dionisíaco.

Por mais disseminado que esteja o erro, não faz sentido, portanto, chamar o deus de Dionísio, uma vez que o próprio nome “Dionísio” significa originalmente algo relativo ao deus Dioniso.

(Posteriormente, em Portugal, o adjetivo dionísio passou a usar-se também como relativo ao nome Dinis – assim, o período da história portuguesa referente a Dom Dinis, por exemplo, também é chamado dionísio, ou dionisíaco.)

Em outras línguas, igualmente, não existe “i” algum na terminação do nome: o deus se chama Dioniso também em espanhol, em galego e em italiano, Dionysus em inglês e Dionysos em francês e no original em grego.

Em geral, os dicionários acertam: ao procurar “dionisíaco”, encontramos na definição a grafia correta, Dioniso, no dicionário Aurélio, no Michaelis, no Priberam, etc. O dicionário da Porto Editora, de Portugal, traz um artigo inteiro sobre o deus, também com o nome correto. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira também diferencia corretamente Dioniso de dionísio:

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Tanto o Dicionário Onomástico de José Pedro Machado quanto o Vocabulário do português Rebelo Gonçalves trazem os dois nomes – Dionísio e Dioniso -, explicitando a diferença: Dionísio é um nome comum de homens em Portugal, enquanto Dioniso é o nome do deus grego.

Colocação pronominal com palavras proparoxítonas – proibida a ênclise?

“Tomei conhecimento de uma norma da língua culta, que desconhecia, que proibiria o uso da ênclise com verbos proparoxítonos. É isso mesmo? Fiz uma busca rápida, mas não consegui encontrá-la nos materiais que consultei.”

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Há, efetivamente, numerosas páginas na Internet que, em resumos sobre colocação pronominal, em meio a regras sobre o uso da próclise e da ênclise, trazem a suposta “regra” de que, com formas verbais proparoxítonas, a norma seria a próclise (ver aqui, aqui, aqui, etc.). Assim, segundo essa “regra”, seria incorreto dizer púnhamo-lo, fizéssemo-lo.

Mas, como tantas vezes ocorre, a verdade é que se trata de mais uma mentira da Internet, mais um dos muitos falsos erros de português, os erros “inventados”. Não existe absolutamente nenhuma regra da gramática que proíba ênclise ou próclise com palavras proparoxítonas – aliás, inexiste qualquer regra de colocação pronominal que leve em conta quantas sílabas a palavra em análise tem.

Como tantas vezes se vê por aqui, são inúmeras as mentiras que circulam pela Internet a respeito (não apenas) da gramática da língua portuguesa. São várias falsas regras, disseminadas irresponsavelmente em blogues e páginas até supostamente sérias – mas que não têm absolutamente nenhum respaldo em gramáticas de verdade.

É o caso da falsa regra das proparoxítonas – que aparece até em coluna do consultor de português do grupo Globo, aqui – mas que está absolutamente errada. Segundo qualquer gramática de verdade, portuguesa ou brasileira, é completamente possível a ênclise com formas proparoxítonas – como se vê na conjugação do verbo “pôr” na Gramática de Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras:

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Ou, na mesma Gramática, na conjugação do verbo “apiedar”, que traz “apiedáramo-nos”, “apiedássemo-nos”, etc.:

Sans titre

A verdade é que formas assim são muito mais comuns em Portugal do que no Brasil, simplesmente porque as ênclises são muito mais comuns em Portugal, enquanto no Brasil a colocação pronominal padrão é a próclise. Mas dizer que palavras proparíxonas obrigam a próclise, ou que existe qualquer regra gramatical que trate disso, é simplesmente mentira.