Mais bem ou melhor + partícipios?

Sans titre

Deve-se dizer “os melhor avaliados” ou “os mais bem avaliados”? De acordo com os bons gramáticos portugueses e brasileiros (como Domingos Paschoal Cegalla, Vasco Botelho do Amaral, Celso Luft, Celso Cunha, Lindley Cintra, Sousa e Silva, etc.), tanto faz.


O jornal Correio Braziliense publicou um tuíte de sua “consultora de português”, segundo a qual o prefeito de São Paulo, João Doria, teria cometido um erro de português ao dizer que certos programas seriam “melhor percebidos” pela população. Segundo o jornal, só estaria certo “mais bem percebidos”. Obviamente, o jornal e a sua consultora de português estão errados. Bastaria abrirem uma boa gramática antes de escrever besteira na Internet.

Esse é mais um dos casos que deixam claro que saber português não é o mesmo que ter decorado algumas regrinhas e macetes (sempre cheios de exceções), e que os que se valem dessas regrinhas decoradas em geral são aqueles que não dominam lá muito bem a língua.

Se tivessem aberto uma boa gramática – como a de Celso Cunha -, teriam aprendido que a expressão “mais bem” de fato pode ser usada antes de particípios (“mais bem avaliados”, “mais bem percebidos”) – mas isso não quer dizer que não se poderia usar, igualmente, a forma sintética: melhor avaliadosmelhor percebidos.

Não há nada de errado com essas construções, que também se encontram já em Camões, n’Os Lusíadas: “O ponto melhor tornado no terreno alheio“; ou em Machado de Assis: “Oxalá que ande ele melhor avisado … onde suas qualidades serão melhor apreciadas“; ou em Alexandre Herculano: “composições análogas e melhor delineadas e vestidas“; ou em José de Alencar, “melhor armada“, etc.

O que ocorre, simplesmente, é que em alguns casos, o uso de “melhor” no lugar de “mais bem” não funciona – isso ocorre quando a palavra “bem” está ligada mais fortemente ao adjetivo que se segue do que à palavra “mais” (o que ocorre em geral, mas não apenas, quando o adjetivo está ligado a “bem” por hífen): por exemplo, ninguém diria que se sentiu “melhor vindo” num lugar, mas, sim, “mais bem-vindo“.

Mas, em outros casos, pode dizer-se tanto “melhor avaliados” quanto “mais bem avaliados”, e tanto “melhor posicionada” quanto “mais bem posicionada” – mas apenas “mais bem-feito” (e não *melhor feito). É por isso que, para facilitar a vida dos inseguros, criou-se modernamente a “regrinha” de que “já que às vezes se pode usar “melhor” e às vezes não, mas sempre se pode usar “mais bem” antes de advérbios, então use sempre “mais bem” e nunca “melhor”, que não tem como errar.

Não há nenhum problema com esse tipo de regra simplificadora, é claro. O problema é quando esses mesmos inseguros linguísticos passam a achar que apenas a fórmula simplificadora por eles usada é a correta, e passam a ver “erro” em frases absolutamente corretas, como a do prefeito paulistano – que em nada difere das frases usadas desde Camões até nossos melhores autores, como Machado de Assis e José de Alencar.

Em suma, tanto faz dizer “mais bem avaliados” ou “melhor avaliados”; ambas são absolutamente corretas do ponto de vista gramatical e têm respaldo dos melhores autores de diferentes séculos. O único inconveniente de usar a forma sintética (“melhor avaliados”) é o risco de ser interpelado por alguém que, em sua ignorância, acredita que apenas a primeira opção (“mais bem avaliados“) é a correta, por não saber que foi ele próprio que só aprendeu uma, a mais fácil, das duas construções possíveis e corretas da língua.