“Malawi” é português, sim

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Um leitor se espantou ao ver, em bons veículos de imprensa, notícias em português sobre a República do “Malawi”. A pergunta é: os nomes de países não têm de ser traduzido para o português?  E, se sim, como se deveria escrever – e pronunciar – em português o nome do Malawi? “Maláui”? “Malauí”? “Malávi”?

Em publicações anteriores, tratamos do Malawi, país africano com enorme fronteira com Moçambique. Fizemos uma análise da fonética da língua de origem do nome “Malawi”, o nianja, para explicar por que a pronúncia em português deve ser “Maláui” (e não Malauí ou Malavi ou Malaui, como às vezes se via em alguns dicionários de português).

Quanto à pronúncia, portanto, a resposta é clara: “Maláui”.

E, quanto à escrita? Também nesse caso a resposta é clara – embora vá certamente desagradar aos puristas da língua. O novo Acordo Ortográfico não podia ser mais explícito; em seu parágrafo segundo, determina:

2º) As letras k, w e y usam-se: […] Em topônimos [nomes geográficos] originários de outras línguas e em seus derivados: Kwanza; Kuwait, kuwaitiano; Malawi, malawiano.

De acordo, portanto, com o texto legal que desde janeiro de 2016 regulamenta o uso oficial da língua portuguesa, deve usar-se, em português, a forma original estrangeira Malawi, e o respectivo adjetivo/substantivo malawiano. É essa a forma que já usam bons dicionários atualizados após o Acordo Ortográfico, como o Houaiss, o Universal, o Priberam e os da Porto Editora.

“Malawi” e “malawiano” são, ademais – e mais importante – as formas usadas, desde sempre, nos países africanos de língua portuguesa, como Moçambique e Angola, que, no fim das contas, escrevem diariamente muitíssimo mais sobre o Malawi do que brasileiros e portugueses.

Essa foi mais uma das grandes mudanças trazidas pelo novo Acordo Ortográfico. No sistema ortográfico anteriormente vigente, as letras “k”, “w” e “y” não faziam parte da língua portuguesa, e recomendava-se que mesmo os derivados de topônimos estrangeiros fossem “aportuguesados”, com a substituição dessas referidas letras; por essa razão, escrevia-se no Brasil, por exemplo, taiuanêsquiribatiano – que já foram substituídas, nos dicionários atualizados após o Acordo Ortográfico, por taiwanêskiribatiano.

 

Onlaine, aportuguesamento de on-line/online, no Vocabulário Ortográfico Atualizado

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Na mais recente edição (2014) do seu Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, a Academia das Ciências de Lisboa – análoga portuguesa da Academia Brasileira de Letras – acolheu, como palavra portuguesa, a palavra onlaine – corretíssimo (e mais que bem-vindo) aportuguesamento do inglês on-line, também escrito online.


onlaine

Adjetivo
on.lai.ne, comum de dois gêneros

  1. situado e acessível na Internet
    • Eles oferecem uma suporte técnico onlaine aos usuários.
    • Ela fica o dia inteiro onlaine.
    • Qual o melhor dicionário onlaine que você conhece?

Etimologia
Do inglês online.


 

Supõe-se que um falante competente da língua portuguesa, com boa cultura, deve ser capaz de expressar-se em sua própria língua sem precisar recorrer todo o tempo a palavras estrangeiras. A completa aversão e repúdio ao uso de toda e qualquer palavra estrangeira, por outro lado, revela ignorância talvez até maior, por ser óbvio que a língua portuguesa nada mais é, em essência, que uma grande amálgama de vocábulos estrangeiros e deturpações da sua base originária, o latim vulgar. Não há sentido abominar o uso da expressão inglesa online, universalmente utilizada por sintetizar um conceito até recentemente inexistente; e, após anos de insistência (por exemplo, pela Porto Editora, com seus dicionários “em linha”), fica claro que não há versão “portuguesa” da expressão que tenha condições de vingar no uso comum; “em linha”, por exemplo, sequer seria um grande remédio, pois criaria ambiguidade com o sentido que já tem – de “ao telefone”.

A solução, portanto, é o aportuguesamento, que a Academia portuguesa fez à perfeição. Sendo bem-formado, e tão útil, já passamos a usá-lo – e inclusive já o colocamos em nossa lista de aportuguesamentos recentes (que também inclui neologismos de outras origens).

Agora é esperar que a palavra se popularize: quanto tempo levará para ser acolhida por algum dicionário – seja um em papel, seja um dicionário onlaine?

Aicebergue, correto aportuguesamento de “iceberg”, entra no dicionário

O correto aportuguesamento de iceberg é aicebergue, substantivo masculino, incluído no mais recente Vocabulário Ortográfico da Academia portuguesa, edição de 2012 e que, imediatamente após este alerta do DicionárioeGramática.com, também acaba de ser incluído no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

É interessante a história da palavra “iceberg” – enfim aportuguesada como aicebergue – na língua portuguesa. A palavra nos chegou – como chegou à maioria dos idiomas – já como um híbrido: via o inglês iceberg, já por si uma “anglicização” do nome original, vindo dos países nórdicos, onde esses enormes blocos de gelo são mais comuns. “Berg” significa montanha em sueco, holandês e alemão. Do sueco isberg, do alemão Eisberg ou do holandês ijsberg – todas significando, literalmente, “montanha de gelo” -, os anglófonos cunharam seu iceberg, mantendo a terminação que nada significa em inglês, mas substituindo a primeira parte da palavra por sua própria grafia para “gelo”.

Foi pela língua inglesa que a palavra ganhou o mundo em 1912 – quando justamente uma dessas montanhas de gelo foi causadora do naufrágio mais famoso da história, o do “inafundável” Titanic.

Um século inteiro depois, porém, víamo-nos no Brasil de 2012 ainda usando a palavra tal e qual tomada do inglês – fenômeno no mínimo raro, se comparado a tantos outros que tão facilmente se adaptaram à ortografia portuguesa – abat-jour como abajur, football como futebol, etc. Na Europa, por sua vez, os portugueses, muito mais avessos que os brasileiros à incorporação sem alterações vocábulos estrangeiros, há muito já haviam “resolvido” a questão, incluindo em vocabulários a palavra aportuguesada… icebergue. Assim mesmo, apenas aportuguesado o final da palavra, mas mantido o “ice” à inglesa, era o recomendado pelos Vocabulários oficiais lusitanos.

No Brasil, o brilhante gramático Domingos Paschoal Cegalla, autor de uma das gramáticas mais vendidas do Brasil pelo último meio século e infelizmente falecido em 2009, propunha em seu “Dicionário de Dúvidas da Língua Portuguesa” a forma “aicebergue”. A grafia “aicebergue” também já era recomendada pelo tradicionalíssimo gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida e pelo dicionarista brasileiro Sacconi.

Em 2014, enfim, a consagração do aportuguesamento: o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (homólogas, respectivamente, do VOLP brasileiro e da Academia Brasileira de Letras), expurgou a tão criticada forma icebergue e, sem nenhum alarde, inclui, já na letra “a”, a forma aicebergue, como substantivo masculino.

Os dicionários e o público em geral, porém, têm demorado a perceber essa bem-vinda mudança de postura de uma das duas grandes Academias reguladoras da língua portuguesa. Ao menos a Porto Editora já incluiu aicebergue como tradução de iceberg em seu dicionário de português-italiano – o mais recentemente lançado pela famosa fabricante de dicionários portugueses; e o Dicionário da Língua Portuguesa On-Line Priberam finalmente (após certa insistência de nossa parte) acaba de dicionarizar a mais que bem-vinda grafia aicebergue, plural aicebergues – embora ainda mantenha, como sinônima, a infame icebergue, com indicação de uma impossível pronúncia do “i” como “ai em português.

Abaixo com icebergues e icebergs em português – e vida longa à forma aicebergue, muito bem-vinda em nossa língua e ótimo exemplo de bom aportuguesamento.

Prato árabe: tagine ou tajine? O tipo de comida (e panela) marroquina é o tagine, a tagine, o tajine ou a tajine?

Resposta rápida: em francês, chama-se tajine ou tagine a um prato tradicional do Marrocos, bem como ao tipo de panela de barro em que o prato é preparado e servido; é palavra masculina. Em português, pela etimologia, deve ser escrito preferencialmente com “g”: “o tagine“, “um tagine“.

Como ensina Rebelo Gonçalves – considerado um dos “pais” da moderna ortografia da língua portuguesa – já em seu clássico “Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa”, de 1947: em português, “em palavras de origem arábica se não faz uso de j, mas de g, antes de e ou – enquanto o jota, por sua vez, é preferido em palavras de origem ameríndia (por exemplo, tupi), além do latim.

Exemplos de palavras de origem árabe em português (em que se usa a letra g): alfageme, álgebra, algema, algeroz, algibebe, algibeira, álgido, almargem, Argel, Argélia, auge, gengibre, gergelim, geringonça, gesso, Gibraltar, Gidá, ginete, girafa, gíria, hégira, Tânger…

Exemplos de palavras de origem americana (indígena) (em que se usa a letra j): ajeru (papagaio), canjerê, canjica, jecoral, jenipapo, jequitibá, jerimum, jiboia, jiquipanga, jiquiró, jiquitaia, jirau, jiriti, jitirana, mucujê, pajé..

Assim, o nome do cozido marroquino feito em geral com carne de frango ou de cordeiro e legumes, bem como o nome do recipiente de terracota em que o referido cozido é preparado e em geral servido, pode ser escrito, em francês ou inglês, indiferentemente tagine ou tajine – nesse caso, devendo-se grafar, num texto em português, a palavra em itálico, sublinhada ou entre aspas, para se deixar claro estar-se usando um estrangeirismo. Aportuguesada, a palavra deverá ser grafada tagine, substantivo masculino.

Enciclopédia Brasileira Mérito (1959, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife)

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A Enciclopédia Brasileira Mérito, da Editora Mérito, foi publicada em 1959, simultaneamente em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e no Recife. Foi a primeira enciclopédia autodeclarada brasileira. Mais que isso, era por si uma biblioteca: 20 volumes grandes e pesados (que hoje podem ser encontrados à venda na internet por 500 reais), com a característica de ser extremamente zelosa da “pureza” da língua, recusando qualquer estrangeirismo – no que discrepava da maioria das enciclopédias até então (e na verdade, até hoje) existentes.

Enquanto a maioria das enciclopédias no Brasil e em Portugal apenas traduzia conteúdo, mas mantendo nomes de cidades, línguas, povos, etc., em inglês ou francês, os editores da Enciclopédia Mérito praticamente não deixaram passar um nome sem aportuguesá-los: estão lá, já na edição de 1959, formas corretíssimas como Abcásia e abcásios (para a região – e o povo da região – que a imprensa brasileira insiste em chamar, à inglesa, de Abkhazia); e Bacu, Camerum, Campala, Cuaite, Ierevã e Marraquexe (para as cidades que nossos jornais no século XXI continuam a chamar, à inglesa, Baku, Cameroon, Kampala, Kuwait, Yerevan e Marrakesh / Marrakech).

Até mesmo o tão esquecido e ignorado – porém absolutamente necessário – acento no primeiro “i” de Fíji está lá, presente em todas as menções à ilha, em todos os 20 volumes.