O papiá, ou a doce papiação (quase portuguesa) de Macau

Como se sabe, Macau é uma cidade na China que até 1999 foi colônia portuguesa e que tem até hoje o português como língua oficial (embora menos de 3% de seus habitantes de fato dominem a língua). O que é menos conhecido é que, além do português (e do cantonês, falado pela maioria dos macaenses), existe uma língua única de Macau: o papiá ou papiação macaense: língua local derivada diretamente do português, com simplificações e adaptações diversas, mas que, aos nossos ouvidos, não deixa de encantadoramente familiar.

O papiá de Macau já está (ou estava) quase extinto, até que grupos de macaenses, como os do excelente vídeo a seguir, começaram a produzir conteúdo na língua, de modo a não deixar morrer a “doce papiação de Macau“. Confiram:

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Quem nasce em Macau é macaense

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Quem nasce em Macau é o quê? Macau, como se sabe, é uma região administrativa da China, antiga colônia portuguesa, onde o português é língua oficial. Mas quem nasce em Macau é chamado como? Qual o gentílico de Macau?

Numa resposta rápida, o gentílico de Macau é macaense – única forma usada pelos próprios macaenses e pelo governo macaense (ver exemplos abaixo).

Uma consulta a muitos dicionários, porém, não responderia isso: a maioria dos dicionários traz, com o mesmo destaque (ou às vezes até mais) que a macaense, os “sinônimos” macaísta, macauenho, macauês, macauense; nenhuma dessas formas, porém, tem uso de fato.

Erram, nesse ponto, os dicionários: colocar essas opções todas como sinônimas seria o mesmo que colocar num dicionário que o gentílico referente ao Brasil pode ser indistintamente “brasiliano”, “brasilês”, “brasílico”, “brasilíada”, “brasílio”, “brasil”, “brasilense” ou “brasiliense” – sim, originalmente, “brasiliense” referia-se a todo o país – e, a rigor, ainda pode ser usado nesse sentido, mas todo brasileiro sabe que brasiliense, hoje, é usado quase exclusivamente apenas como gentílico de Brasília, a capital do país.

Como se pode ver, a língua portuguesa é riquíssima em sufixos que podem formar gentílicos, sendo exemplos: –ense (singapurense), –ês (neozelandês), –ano (moçambicano), –ão (afegão), –enho (panamenho), –ino (argentino), –ita (iemenita), -o (turco, líbio), –ol (mongol), –ota (cipriota), além de empréstimos como a terminação árabe -i (omani, somali, saarauí).

Assim, é comum que a um mesmo topônimo correspondam múltiplas formas gentílicas dicionarizadas – Houaiss, por exemplo, registra, como formas possíveis para o Vietnã “vietnamense”, “vietnamês”, “vietnamiano” e “vietnamita” – mas é esta última a única de uso efetivamente corrente em português. A abundância de formas atestadas em vocabulários e dicionários não implica haver o mesmo número de formas em uso prático e corrente.

Em regra, independentemente dos registros, uma única forma acaba por consolidar-se no uso geral da língua – como, em outro exemplo, acabou por ocorrer com “brasileiro”, que substituiu as demais opções acima listadas; ou com “português”, que substituiu variantes como portucalense; ou com “angolano”, em detrimento da hoje obsoleta “angolense”, ou “guineense” em lugar de “guinéu”, etc.

Da mesma forma, resulta no mínimo enganoso ensinar (como ensinam alguns livros, dicionários e gramáticas) que macaísta é gentílico de Macau – uma vez que, na prática, essa forma não é usada (sobretudo não em Macau). O gentílico consagrado referente a Macau, na China, é macaense (sem o “u”), forma invariável no feminino; e é a única forma usada (em português, é claro) pelo próprio governo macaense (como se pode ver aqui,  aqui, aqui, aqui ou aqui).