Caiçara (habitante do litoral) se escreve com “ç”, porque vem do tupi

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Caiçaras são praianos, membros de comunidades pesqueiras tradicionais. O termo “caiçara” é usado para designar os habitantes tradicionais dos litorais dos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Paraná.

Na definição de Houaiss, é o “habitante do litoral, que vive de modo rústico, especialmente da pesca ou de atividade próxima” ou, em sentido mais geral, “natural ou habitante de localidade litorânea; praiano“.

A palavra caiçara, proveniente do tupi (língua em que originalmente significava o tipo de cerca ou paliçada construído por esses habitantes), escreve-se, naturalmente, com “ç”, e não caissara – pelo mesmo motivo pelo qual o palmito é “juçara”, e não “jussara”: por convenção ortográfica, é sempre o cê-cedilha, e nunca os dois “ss”, que se usa em palavras portuguesas de origem tupi. É o mesmo caso de paçoca, açaí, cupuaçu, Iguaçu…

Por que o palmito é juçara, e não jussara?

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Até a década de 1990, o Brasil destacava-se como exportador de palmito do tipo juçara, considerado de primeira qualidade, oriundo do centro-sul do país e encontrado também na Argentina e no Paraguai. A ameaça de extinção da palmeira de juçara em meio natural fez que se proibisse no Brasil a comercialização desse palmito, com exceção daqueles provenientes de replantio. Com isso, o palmito-juçara (ou simplesmente juçara) foi substituído, no mercado nacional e no internacional, por variedade alternativa de palmito, menos cara mas também menos graúda, chamada palmito-pupunha (ou simplesmente pupunha).

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Embora seja comum ver juçara escrito, por erro, jussara, o nome da palmeira e de seu palmito é mesmo com “ç” – assim como açaí, variedade de palmito hoje mais conhecida pela polpa de seus frutos, de forte cor roxa, oriundo da Amazônia (em oposição ao juçara, proveniente da Mata Atlântica).

A razão pela qual se escreve juçara (e não jussara) é simples: é convenção ortográfica que se usa o “ç”, e não o “ss”, na grafia das palavras em português provenientes do tupi-guarani e de outras línguas indígenas do Brasil: é por essa mesma razão que se escrevem: açaíIguaçucupuaçu, jaçanãparaguaçu (e tudo que termina em -açu, sufixo tupi-guarani que significa “grande”), paçocapiaçaba, etc.

Convenções ortográficas desse tipo, referentes a línguas sem tradição escrita, facilitam muito a vida dos lusófonos. A regra de usar “ç” no lugar de “ss” aplica-se também, por exemplo, aos aportuguesamentos da língua árabe: é por essa razão que escrevemos muçulmano, moçárabe, Moçambique (o nome do país também vem do árabe), açudeaçafrãoaçougue ou mesmo açúcar.

Semelhante ainda é o uso da letra “x”, que, para facilitar a vida de todos os que usamos o português, foi sistematizada como obrigatória, no lugar de “ch”, em palavras de origem tupi-guarani ou árabe – como já explicamos em artigo anterior, sobre o porquê de se escrever cabelo pixaim, não pichaim (clique aqui para reler).