Todo brasileiro e todo português sabe que uma das principais diferenças entre as variantes atuais do português brasileiro e do português lusitano diz respeito à colocação pronominal: enquanto na Idade Média havia grande fluidez e portugueses ora usavam o pronome átono antes do verbo, ora depois, a situação acabou se definindo ao longo dos séculos, mas de modo diferente nos dois países: em Portugal usa-se aproximadamente em 50% dos casos o pronome depois do verbo, mas deve vir obrigatoriamente antes do verbo (“também se manteve”) quando há na frase advérbios, conjunções, etc. Já no Brasil, em situações naturais, o pronome vem sempre antes do verbo.
Assim, todo brasileiro diz “Me dá”, “Nos vimos”, “Me queixei”, enquanto os portugueses dizem “Dá-me”, “Vimo-nos”, “Queixei-me”. Desde o século passado, nossos melhores cronistas, poetas, músicos, etc. usam próclises (pronomes antes do verbo), à brasileira (e que, na metade dos casos, coincidem com a forma “certa” em Portugal).
O mesmo não ocorre, porém, com a maior parte dos jornalistas brasileiros e de todos aqueles brasileiros que, querendo falar “chique” ou “difícil”, tentam imitar a colocação portuguesa – e que, nessa tentativa, sempre acabam cometendo erros ao usar mais ênclises (pronome após o verbo) do que os próprios portugueses.
Justamente por estarem simplesmente tentando imitar uma colocação pronominal que não lhes é natural, o que mais se vê nos jornais brasileiros hoje são ênclises erradas – erradas mesmo pela colocação gramatical portuguesa. Chovem casos como o da foto acima, em que o jornalista escreve “também manteve-se” – erro feio, pois consegue ao mesmo tempo violar a gramática tradicional portuguesa (que determina que advérbios como “também” exigem a próclise, e não a ênclise) e falha ao não reproduzir o uso natural de nenhum falante, nem português, nem brasileiro.
Os jornalistas brasileiros hoje incorrem no pior tipo de erro gramatical, pois acertariam se escrevessem exatamente como falam (usando a brasileiríssima próclise), mas erram simplesmente por tentar parecer chiques, por tentar falar difícil. Seguindo a concepção vira-lata de que “se eu falo assim, deve estar errado” e de que “quanto mais diferente da fala, mais correto deve estar”, acabam criando ênclises inexistentes em Portugal e em qualquer norma culta da língua portuguesa.
O mesmo ocorre com orações com a palavra “que“, ou “onde“, entre outras: a gramática portuguesa tradicional obriga, nesses casos, que se use o pronome antes do verbo (igual a como fazemos sempre no Brasil); todo português sempre falará e escreverá “que se deu“, “onde se viu“; mas alguns brasileiros, querendo escrever difícil, acabam inventando construções erradas como “que deu-se“, “onde viu-se” – erradas segundo toda e qualquer gramática portuguesa.
Em outras palavras: se não quiser passar vergonha, na dúvida, não invente; escreva do modo que lhe soar mais natural, do jeito que falaria. Quase sempre, estará certo.
Aprendi com o grande mestre Cláudio Moreno: no Brasil, se não quiser errar, use sempre a próclise.
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Nem sempre… existem expressões em que a próclise mataria o sentido. Uma delas provavelmente virá à sua mente ao ler este comentário… 😉
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Não entendi, Diego; qual?
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Nem sempre o humor funciona via internet… Eu estava pensando em expressões como habite-se, cumpra-se, dá-lhe, dane-se e semelhantes. Mas foi uma tentativa frustrada de fazer piada.
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PARABÉNS…!!, Não só gosto do v/ “BLOG”, como dele faço “arquivo” de todas as emissões que recebo…,
O tema de hoje é extremamente interessante e ajudou.me a clarificar a razão porque hoje em Portugal, por via do “MALFADADO” AO90 (Acordo Ortográfico, a esmagadora maioria dos jornalistas que diariamente entram nas nossas casa, seja pelo “veiculo Jornal” seja através da TV, ao escreverem ou falarem dão tantas “calinadas”.
CONCLUSÃO: A mania dos “COPIANÇOS”, criados desde o ensino juvenil, está DEFINITIVAMENTE a impor-se…
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Pois a portuguesa Isabel Casanova defende, e com bons argumentos, que também no português europeu a regra é a próclise, e a exceção, a ênclise: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/controversias/a-colocacao-dos-pronomes-cliticos-ou-a-proliferacao-dos-erros-induzidos/3313
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Na nossa língua a regra é a próclise. Na Galiza, no Brasil, Portugal, Macau, Timor-Leste… em tôdolos lugares u a nossa língua é falada, a regra é a próclise.
A diferença é que; na Galiza, Portugal, Angola, Moçambique… ista regra conta com mais exceções ca no Brasil
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Oi! Tenho uma dúvida referente à próclise. Meu professor disse que é errado começar frase com próclise, quando se escreve.
Mesmo que nós escrevamos do jeito que se fala como “Me empresa” “Nos vimos”, é realmente errado gramaticalmente começar uma frase com a próclise?
Por exemplo, em vez de “Me chamo João e moro em São Paulo” seria oficialmente correto “Chamo-me João e moro em São Paulo” ?
Obrigado por responder!!!
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Caro Vinícius, esse caso de que você fala é justamente o ponto número 1, o mais conhecido (e, por isso, em geral o mais policiado) exemplo da divergência entre a o português brasileiro vivo e a gramática tradicional do português de Portugal.
Em Portugal, as pessoas não precisam estudar colocação pronominal – elas escrevem exatamente como falam. O ponto é que, lá, elas naturalmente falam “Chamo-me João”, “Empresta-me o lápis?”, “Vimo-nos”.
No Brasil, dizemos “Me chamo João”, “Me empresta o lápis?”, “Nos vimos” – mas, como tradicionalmente se acreditava, no Brasil, que devíamos falar exatamente como os portugueses, ensinava-se que, em contextos mais formais (por exemplo, na escrita), deveríamos seguir a colocação portuguesa.
Cada vez mais, os gramáticos, linguistas e professores brasileiros têm passado a aceitar que a colocação pronominal brasileira difere da portuguesa, e que a tentativa de artificialmente seguir uma colocação que nos é estranha causa mais mal do que bem – é ela, por exemplo, a culpada pela proliferação de erros como os vistos aqui (“Também reuniram-se”, etc.) – erros que não ocorrem em Portugal, e que só ocorrem no Brasil justamente pela tentativa (fracassada) de imitar os portugueses.
Ainda assim, por ser a regra mais conhecida e mais simbólica da divergência do uso de pronomes entre as duas normas, a colocação no início de frase (“Me chamo”) ainda é, de fato, a que mais estigma carrega, e deverá ainda levar algum tempo até que seu uso deixe de ser visto como “erro” no Brasil (mas é certo que isso ocorrerá). Até lá, a “solução” mais usada e recomendada, para evitar a escolha entre frases começando por pronome átono e aquelas que começam por verbo, que nos soam artificiais, é explicitar o sujeito: em vez de “Chamo-me” ou “Me chamo”, escreva “Eu me chamo”; em vez de “Vimo-nos” ou “Nos vimos”, escreva “Nós nos vimos”, etc.
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Prezados Senhores, o artigo de V.Sas. incorre em erro porque a ênclise de um complemento verbal é sempre correta, já que o complemento é a finalidade da ação do verbo. Se a próclise é usada, sem problemas, mas é uma questão de preferência, de estilo, não que seja obrigatória gramaticalmente. Como a ênclise não é obrigatória, a próclise o é menos ainda.
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Caro Luiz Fernando,
É correta a ênclise em “Eu comprei o livro para que João leia-o”?
É correta a ênclise em “Eu teria comprado o livro se João quisesse-o”?
É correta a ênclise em “O João vai conversar com você sobre o livro quando ele vi-lo”?
Em nenhum desses casos a ênclise é correta ou aceitável, seja no português europeu, seja no português brasileiro.
Em nenhuma variante, em tempo algum, os usos acima se registraram, seja na escrita culta, seja na escrita coloquial.
Enfim, convém pesquisar antes de pontificar.
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Caro Luiz Fernando, O que você diz está incorreto. Basta abrir qualquer gramática para ver que o que você está dizendo está completamente errado.
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Obrigado!!!!!
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Pingback: O advérbio “só” obriga próclise (pronome antes do verbo) | DicionarioeGramatica.com