Um leitor perguntou-nos por que escrevemos Bahamas (nome do país), em português, em vez de Baamas, como fazem os portugueses, “se a letra h inicial ou entre vogais é sempre muda em português?“
A verdade é que não há como tapar o sol com a peneira: ao menos no Brasil, já há muitos anos o h não é sempre mudo em português. Em cada vez mais casos, o agá é pronunciado, e não estamos falando apenas de nomes próprios e substantivos comuns estrangeiros (como Hillary, Hilton, hamster, hardware, Honda), mas também de palavras aportuguesadas, incluídas nos principais dicionários brasileiros: handebol; hanseníase; hóquei; bahamense (quem nasce nas Bahamas); jihadista; saheliano; bahaísmo; hobbesiano; hegeliano; etc.
Os portugueses escrevem andebol, porque assim pronunciam o nome do esporte chamado, em inglês, handball. Já no Brasil a grafia sem h inicial jamais terá sucesso, porque o fato é que a pronúncia culta e padrão, de norte a sul do Brasil, é com uma aspiração inicial – a mesma usada em nomes como Hillary e Hilton – e que corresponde, ademais, ao som de uma consoante real e extremamente comum: o R inicial, na pronúncia mais comum em todo o Brasil, quase absoluta entre a população jovem.
Temos assim, de um lado, a proliferação no português de empréstimos vindos de outras línguas, muitas das quais têm o som do agá aspirado: hacker, hobby, hostel, husky, hip-hop, hit, holding, hollywoodiano, Hillary, Hilton, Hobbes (e hobbesiano) e outros tantos, do inglês; Honda, Yokohama, hashi (os palitinho de comida japonesa), do japonês; hamster (o animalzinho de estimação), hegeliano (referente a Hegel), hanoveriano, do alemão; hanseníase, do norueguês; hare krishna, do híndi; tahine, jihad, dirham, do árabe; Hanói, capital vietnamita; etc.
De outro lado, temos o fato de que o “r” inicial, no Brasil, passou no último meio século a ser pronunciado exatamente como o “h” aspirado de todas essas línguas (fenômeno que se tornou quase absoluto entre os estratos populacionais mais jovens de todas as regiões do Brasil, que pronunciam rata e marra como /hata/ e /maha/).
Os dois fatos somados – isto é, o fato de a substituição do antigo R “forte” pelo som aspirado se ter tornado a pronúncia “padrão” brasileira, por meio da televisão; somado à percepção de que esse som é o mesmo que o representado por “h” na maioria das línguas estrangeiras – têm levado a uma pronúncia do “h” intervocálico ou inicial em palavras ingressas no português brasileiro nos últimos anos que trazem o som da aspiração em sua forma original.
Assim, a pronúncia padrão brasileira para Bahamas é, inegavelmente, com aspiração medial – e o mesmo vale para o gentílico correspondente, bahamense ou bahamiano. É essa, aliás, a pronúncia recomendada pela própria Academia Brasileira de Letras – que, em seu Vocabulário Ortográfico (o VOLP), indica entre parênteses, quando se pesquisam palavras como bahamense, bahamiano, bahaísmo ou bahaísta, a pronúncia figurada das duas primeiras sílabas: “barra“.
Essa realidade, já aceita pela Academia Brasileira de Letras, marca, sem dúvida, uma inflexão na tradição da língua: o fato de a Academia Brasileira de Letras e muitos dos principais dicionários da língua, como o Houaiss, trazerem a indicação de que “bahaísmo”, “bahamense” etc. se pronunciam como se começasse por “barra” é algo que se opõe à tradição portuguesa, segundo a qual era normal que esses agás, por serem mudos, simplesmente desaparecessem (como no nome da língua swahili, aportuguesado como suaíli, ou no nome do deserto do Sahara, aportuguesado Saara).
Outras palavras aportuguesadas em que o h é invariavelmente pronunciado aspirado são saheliano (referente ao Sahel, região do norte da África); hanseníase (doença antigamente conhecida pelo nome, hoje pejorativo, de “lepra”); o esporte hóquei (pronunciado invariavelmente no Brasil com h aspirado, como handebol); além de substantivos e adjetivos derivados de nomes próprios, como hobbesiano, hitlerista, hegeliano, etc.
Embora contrarie a tradição da língua portuguesa, entendemos ser impossível deter esse processo de evolução fonética – normal na história de todas as línguas – e acreditamos que, se aqueles que zelamos pela língua insistirmos que o “h” entre vogais não pode nunca, em em hipótese nenhuma, representar o som aspirado comum à maioria das línguas do mundo, o tiro nos sairá pela culatra: o que ocorreria seria a criação de formas como barramiano, sarreliano, randebol, etc. – da mesma forma que se criou e já se dicionarizou “esfirra” como aportuguesamento de esfiha, o salgado árabe.
A censura imposta pelos puristas, quando da introdução do prato no Brasil, à grafia esfiha em português, e a insistência em que o aportuguesamento correto deveria ser “esfia” (que claramente jamais se popularizaria no Brasil, por não refletir a pronúncia majoritária) levaram à criação do vocábulo “esfirra” (grafia que, embora reflita coerentemente a pronúncia brasileira, não “serve” para portugueses ou mesmos para os árabes – para todos os quais “-irra” e “-iha” representam sons consonantais diferentes).
É preferível, portanto, aceitar a manutenção do “h” aspirado em grafias de palavras novas na língua a introduzir novo fator de instabilidade e divergência entre o português brasileiro e as demais variedades da língua.
Cumpre apontar, por fim, que o mesmíssimo dilema se impôs na língua espanhola; e que, similarmente ao que propomos, a sempre conservadora Real Academia Espanhola recentemente desistiu de “nadar contra a corrente” e passou a admitir que a letra h, que as gramáticas espanholas há séculos ensinavam ser sempre muda em início de palavra ou entre vogais (como em português), pode, sim, representar o som aspirado em certos vocábulos: por exemplo (segundo a Real Academia Espanhola) em Hanói (http://lema.rae.es/dpd/?key=Hanoi) ou em hámster (http://lema.rae.es/dpd/?key=h%C3%A1mster), entre outras palavras que entraram no espanhol vindas de outras línguas, e cuja lista – como em português – só tende a crescer.